À esq., o chanceler do Itamaraty; à dir., o chanceler do lulismo. |
Messina é o estreito que separa a Sicília, uma ilha, da Calábria, na Itália continental. Há milênios, sua “estreiteza” tem dado ensejo a uma vasta mitologia sobre os riscos a que aí estariam sujeitos os navegantes. Na Eneida, por exemplo, Virgílio discorre sobre a ameaça que os rochedos de ambos os lados representavam para a frágil felicidade de Enéas. A origem dos perigos seriam Cila e Caríbdis, entidades do mal que habitavam as profundezas e de tudo faziam para arremessar de um lado ao outro os incautos marinheiros que viam se aproximar. Vem daí a expressão “viver entre Cila e Caríbdis”: viver entre perigos contrapostos, mas interligados, simultâneos e complementares.
Equivocados em praticamente tudo o que fazem, os “estadistas” do PT
quiseram experimentar as emoções da travessia, mas perderam-se e foram
parar em Israel. Em tese, tal desnorteio deveria tê-los deixado no
lucro: mais vale bater-se contra figuras semânticas que contra os
temíveis rochedos de Messina. Mas para eles, o barato saiu caro.
Colhidos em cheio pelo revolto mar da ignorância, uma parte de sua
expedição esborrachou na pedreira do ridículo; atirada ao lado oposto,
foi a outra parar nas alturas da empáfia e da megalomania.
A malfadada embarcação que se espatifou no ridículo tinha no comando o
então presidente Luís Inácio Lula da Silva. O fato ocorreu nos idos de
março de 2010. Desprovido do mais elementar sentido de proporção, Lula
se propôs, nem mais e nem menos, a produzir a tão desejada paz entre
israelenses e palestinos. Não lhe ocorreu que um feito dessa ordem, se
fosse possível, faria a glória dos chefes de Estado do planeta inteiro, a
começar pelos das superpotências. Em questão de minutos, os presidentes
dos Estados Unidos e da Rússia e o “cumpanhero” Secretário Geral do PC
chinês desembarcariam em Tel Aviv – de mãos dadas e saltitando e
cantarolando como personagens de um filme de Doris Day.
Mas Lula não percebeu isso; não percebeu porque seu agigantado umbigo
às vezes não lhe permite reconhecer a existência de um mundo real – um
mundo “externo à consciência”, se posso aqui lembrar o Marx das Teses
sobre Feuerbach. Não tendo ele mesmo se dado conta da atroz patetice que
estava para encenar, teria havido entre os convidados a integrar a
comitiva – ministros, assessores e puxa-sacos em geral – um pelo menos
que o alertasse e tentasse demover de tamanho despropósito? Eu adoraria
saber a resposta, mas deixo a questão para os estudiosos da diplomacia
lulista. O desfecho, como não poderia deixar de ser, foi o único
concebível. Querendo se fazer passar por um leão, o rato tudo o que
conseguiu foi ficar rouco.
A segunda parte da história aconteceu na última quarta, e confesso
que escrever sobre ela não me é menos penoso que rememorar o besteirol
lulista de 2010. Tentei caracterizá-la como um caso de empáfia e
megalomania, mas não sei se chego a apreendê-la em sua essência. Uma
tragicomédia, talvez? Não, não.
Comecemos pelo cenário, no que ele tem de mais triste e assustador.
De um lado o Hamas, em seus esconderijos na faixa de Gaza, disparando
mísseis contra as cidades israelenses; do outro a aviação e o exército
de Israel devolvendo a carga com juros e correção monetária. O número de
vítimas palestinas – inclusive crianças – é muito maior que o de
vítimas israelenses, mas quem em sã consciência apostaria no contrário?
Deflagre-se mil vezes tal processo e mil vezes será esse o resultado,
dada a desproporção entre as forças contendoras. O Hamas ignorava isso?
Voltemos porém à nossa história, quero dizer, a essa “apagada e vil
tristeza” que tem sido a política externa brasileira na era petista.
Depois do papelão (ou pastelão, se preferem) de 2010, já não tínhamos o
direito de subestimar a ignorância das realidades internacionais por
parte de Lula e seu partido – e não será agora, diante da pancada que
Dilma Rousseff nos desferiu quarta-feira, que o vamos ter. A
“presidenta” simplesmente mandou chamar o nosso embaixador em Israel.
Para quê? Para protestar contra as ações militares do país nos últimos
dias, obviamente.
No protocolo diplomático, é isso o que retirar o embaixador
significa. Conto com a paciência do amigo leitor e da amiga leitora que
hajam me acompanhado até aqui, sei que este meu ralentando pode ser
irritante, mas não vejo saída. Tenho para mim que a missão pacificadora
do Lula em 2010 é imbatível como candidata ao título de episódio mais
ridículo da história diplomática brasileira. Pelos mesmos critérios, a
retirada do embaixador por Dilma Rousseff époule de dez na disputa pelo
título de mais idiota.
Pensemos juntos. Descontada a fanfarronice, a missão do Lula partia
de uma premissa correta: quem não sobe ao palco não participa do
espetáculo. Numa situação inacreditavelmente complexa e séria como a que
no momento vivem israelenses e palestinos, é improvável que o Brasil
possa ter um papel relevante, mas assumindo uma posição unilateral e
retirando o embaixador, com certeza não terá papel algum. A chance de
ganhar na loteria é infinitesimal, mas se você não joga, é zero.
Queremos ter um papel, exercer alguma influência, participar de
negociações? Com o parti pris ideológico demonstrado e sem um
representante sur place, esqueça.
Não vem ao caso especular sobre se a decisão de ontem foi mesmo da
doutora Dilma ou se ela, consciente (?) de suas limitações, aceitou o
que lhe foi sugerido sabe Deus por quem. Fato é que a dura represália
diplomática israelense foi mais que merecida. Sim, meus senhores e
senhoras, já tivemos diplomacia de melhor calibre. O que temos hoje é
patético. A nota israelense qualificou o Brasil como um “anão
diplomático” – e não é? Dessa vergonha a doutora Dilma poderia ter se
poupado, na física e na jurídica – e nos poupado, evidentemente, visto
que na jurídica não tem jeito, estamos no mesmo barco.
DO ORLANDO TAMBOSI
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