O pachorrento Guido Mantega não faz outra coisa senão negar fatos que
qualquer pessoa razoavelmente informada conhece. Merece este editorial
do Estadão:
O Brasil estaria bem melhor, com maior
crescimento, inflação menor, exportações bombando e contas públicas mais
sólidas, se o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reconhecesse os
problemas e gastasse menos tempo negando fatos bem conhecidos por
qualquer pessoa razoavelmente informada. Ele se envolveu em mais uma
batalha desse tipo, nesta semana, em mais um esforço inútil para
contestar avaliações apresentadas em relatórios do Fundo Monetário
Internacional (FMI). No primeiro documento, sobre efeitos colaterais de
mudanças na política dos países mais importantes, o Brasil é incluído na
lista dos sete emergentes mais vulneráveis. Os outros são Rússia,
Turquia, Indonésia, Índia, Argentina e África do Sul. No segundo, a
situação das contas externas brasileiras é apresentada como
"moderadamente frágil", com risco de rápida piora, em caso de forte
desvalorização dos produtos básicos.
Segundo o ministro, o FMI repetiu, no primeiro estudo, um erro
cometido há meses por outras instituições, quando incluíram o Brasil na
lista dos países mais sujeitos a problemas, se as condições financeiras
ficassem mais apertadas. O Brasil, segundo ele, enfrentou muito bem as
dificuldades já ocasionadas pela mudança na política monetária
americana. O câmbio, disse o ministro, está estabilizado e o País
continua sendo um dos principais destinos do investimento estrangeiro
direto.
Mas ele deixou de mencionar dois detalhe importantes. O real foi uma
das moedas mais afetadas pelas mudanças nos mercados cambiais, no ano
passado, e a instabilidade só foi contida graças a repetidas
intervenções do Banco Central (BC). Essas intervenções foram mantidas
neste ano, para impedir ou limitar o efeito inflacionário da depreciação
do câmbio. Além disso, o investimento estrangeiro direto continua
insuficiente - como já foi no ano anterior - para cobrir o déficit na
conta corrente do balanço de pagamentos. Caiu, portanto, a qualidade do
financiamento necessário ao fechamento das contas externas.
O esquecimento, ou negligência proposital, desses dois detalhes
deixou na sombra um amplo conjunto de problemas. Nem o governo prevê
para este ano um crescimento econômico superior a 1,8%, número apontado
há poucas semanas pelo Ministério do Planejamento. No mercado, as
projeções são inferiores a 1%. O FMI, em sua última revisão do panorama
econômico mundial, baixou de 1,8% para 1,3% a estimativa de expansão do
PIB brasileiro. Reduziu as projeções para outros países, também, mas os
números previstos para o Brasil estão entre os piores, no cenário
global, e desde o ano passado têm sido revistos para baixo.
O ministro da Fazenda está certo quanto a um ponto: o FMI tem errado
em relação à economia brasileira. Mas tem errado por excesso de otimismo
e por levar a sério, mais do que deveria, a política de Brasília.
O Brasil, como outros emergentes, perdeu dinamismo nos últimos anos e
isso se deve, segundo a análise do FMI, mais a fatores estruturais do
que à conjuntura internacional. São problemas internos: infraestrutura
deficiente, contas públicas em mau estado, inflação elevada e contas
externas em deterioração.
O câmbio valorizado é parte do problema, admitem os analistas do FMI.
Mas eles poderiam acrescentar: esse problema persistirá enquanto a
inflação for muito alta e o BC, para atenuar a alta de preços, intervier
no mercado para conter a depreciação do real
Todos esses problemas têm sido extensamente discutidos por
economistas brasileiros e estrangeiros. Mas o governo se recusa a
enfrentá-los seriamente. As autoridades têm preferido maquiar as contas
públicas e administrar os índices de inflação, contendo os preços de
combustíveis, da eletricidade e do transporte público.
A situação "moderadamente frágil" das contas externas é um
complemento previsível desse quadro. O País dispõe de reservas próximas
de US$ 380 bilhões e isso proporciona alguma segurança. Mas a segurança
efetiva e duradoura só poderia provir de um aumento da produtividade
geral do País e da competitividade. Disso o governo tem cuidado muito
mal.
DO ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário