sábado, 10 de dezembro de 2011

Pimentel e os delitos explicáveis

Guilherme Fiuza, O GLOBO

O caso Pimentel não traz novidade alguma. Corno dizem os governistas, não há motivo para espanto. Tudo foi feito absolutamente dentro das normas vigentes. E as normas vigentes no governo popular, após farta literatura, todos já sabem quais são: usar a política como meio de vida. e o poder público como agenciador particular. Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento. Indústria e Comércio Exterior, ex-prefeito de Belo Horizonte e amigo de Dilma Rousseff, cavou R$ 2 milhões como consultor "para sobreviver". Faz sentido. Um amigo da presidente da República não pode ter uma sobrevivência qualquer. E quem tem um currículo desses não pode pensar pequeno. Assim o ministro se tornou um sobrevivente diferenciado.

Antes de criticar Fernando Pimentel, ponha-se no lugar dele. Você termina seu mandato de prefeito da capital mineira e ainda falta um ano para a campanha presidencial. que você vai coordenar às custas do seu partido. A vitória na eleição é bem provável, mas ainda faltarão dois anos para você virar ministro. Nesse momento de insegurança, que alternativa lhe resta a não ser prestar uma consultoria milionária? E por que um cliente privado, com interesses vitais no Estado, contrataria para elaborar projetos técnicos e cenários econômicos um homem-forte do partido que governa o país? Elementar: porque ele é um excelente economista. Fernando Pimentel tinha sido prefeito, era o braço direito da candidata de Lula, provável futuro ministro e, depois, candidato forte a governador. Por que uma entidade empresarial com interesses nas três esferas de governo entregaria, desprezando todos os PhDs do mercado, seu projeto ao neoconsultor Pimentel? Naturalmente, por causa do seu súbito e insuperável talento profissional. O estudo custou R$ 1 milhão, mas ninguém poderá conhece-Io: o consultor não entregou uma linha escrita ao cliente. Segundo ele. foi uma "consultoria direta". Difícil definir esse novo conceito, mas, pelo preço, deve ser muito bom. Um consultor bem-sucedido também precisa ter sorte. Pimentel conseguiu arranjar o sócio perfeito: outro excelente profissional, capaz de conciliar o trabalho na consultoria com um cargo na Prefeitura de BH — conseguido, aliás, pelo próprio Pimentel. Aí vêm as coincidências da vida: pouco depois de pagar cerca de R$ 500 mil aos consultores, uma construtora conseguiu um contrato de quase RS 100 milhões com a Prefeitura. Sem dúvida, uma consultoria pé-quente. Mas o Brasil é um país de invejosos, e já estão querendo derrubar o ministro Pimentel. Antonio Palocci sabe bem o que é isso: você passa a vida fazendo assembleia, chega ao poder com o suor do seu rosto, monta com o partido a sua carteira de clientes, mas não pode fazer o primeiro milhão que já querem puxar seu tapete. A maior injustiça de todas, porém, quem está sofrendo é a presidente Dilma. Em menos de um ano de governo, já rolaram seis dessas cabeças privilegiadas que ela escolheu para dirigir (e digerir) o Brasil. A presidente aparece como autora dessas de- capitações em série, que a maldosa opinião pública chama de faxina. Não é verdade. Dilma não tem nada a ver com isso. Pelo contrário. Ela não queria demitir nenhum dos seis— mesmo depois de reveladas suas peripécias privadas com dinheiro público. A opinião pública não notou esse detalhe (estava sonhando com a faxineira), mas, diferentemente da consultoria direta de Pimentel, está tudo registrado. Com o inesquecível Carlos Lupi, por exemplo, a presidente foi praticamente uma mãe. Depois da primeira leva de convênios piratas desenterrados no Ministério do Trabalho— num rombo de quase R$ 300 milhões —. Dilma aproveitou uma calmaria nas manchetes para tentar sepultar o caso: 'O passado passou, gente!” Mas o passado voltou com tudo — e trouxe até cenas explícitas, como o ministro saindo de avião arranjado por empresário-cliente (onde ele dissera nunca ter entrado). A presidente não só continuou firme, como peitou a Comissão de Ética Pública contra a demissão do ministro. Com a revelação de que Carlos Lupi ocupara simultaneamente dois cargos públicos, afrontando a Constituição. Dilma finalmente tomou uma providência: anunciou que pediria ao ministro uma "explicação convincente" para o delito. Mesmo protegido pelo novíssimo conceito dos delitos explicáveis. Lupi caiu. De podre. Mas a luta continua. Pimentel, o braço direito, já foi instruído pela presidente a manter a "normalidade da agenda". Emissários do palácio afirmaram que R$ 2 milhões não é um valor "tão astronômico assim". Tradução: o delito de Pimentel é muito mais explicável que o de Palocci. Nada como ter bons parâmetros em casa.
O braço direito de Dilma já foi Erenice Guerra, banida pelos invejosos só porque vendeu influência na Casa Civil. A semelhança com o know how do braço direito atual deve ser mera coincidência.

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