Um fantasma ronda o Congresso Nacional. Na semana passada, ele se cristalizou no formato de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) com uma proposição de arrepiar os cabelos: retirar dos eleitores brasileiros o direito, previsto na Constituição, de votar diretamente em seus candidatos para depurado federal, estadual e vereador. De acordo com a proposta, contida em um texto de apenas duas páginas, o atual sistema de eleição para esses cargos seria substituído pelo chamado "voto em lista fechada". Este modelo, como o nome sugere, prevê que os partidos criem listas de representantes para disputar as eleições para o Legislativo. Entrariam nas listas algumas poucas pessoas aprovadas pelas cúpulas partidárias. No dia da votação, o eleitor só poderia votar na legenda - e não nos candidatos. Sua liberdade de escolha, portanto, ficaria restrita a optar entre o PT, o PMDB, o PSDB. .. e assim por diante. Quanto mais votos um partido recebesse, mais candidatos elegeria. Ou seja: os iluminados escolhidos pela direção partidária ganhariam mandatos mesmo sem ter recebido um único voto em seu nome. A PEC foi aprovada pela comissão de reforma política do Senado. Para entrar em vigor, ainda precisa passar pelo plenário da Casa e, depois, pelo crivo da Câmara.
“O PT é o principal interessado em aprovar essa mudança”, explica o filósofo Denis Rosenfield, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Desde 2007, o sistema de voto em lista fechada tomou-se uma obsessão da alta cúpula petista. O PT alega que o modelo fortaleceria os partidos, por obrigar todos os integrantes de cada agremiação a defender as mesmas bandeiras nas eleições. Balela. O que orienta os petistas nessa escolha é uma esperteza baseada na conjuntura, e não uma questão de princípios. Eles apostam que a lista fechada ampliará sua representação na Câmara. Há dois meses, uma pesquisa do Datafolha revelou que o PT é o partido preferido de 26% dos eleitores. Outros partidos grandes, como o PMDB e o PSDB, foram mencionados por 6% e 5% dos entrevistados, respectivamente. Essa distância brutal em relação às outras legendas se repete em rodas as pesquisas realizadas desde 2003, quando os petistas chegaram ao poder. O que se pretende com a lista fechada, portanto, é congelar o momemo atual da política brasileira, em que o PT domina a paisagem: Petistas de alto coturno também se arrepiam, mas de emoção, ante a possibilidade de ordenar o rol de representantes do partido sem a participação dos eleitores. Na prática, esse mecanismo garantirá aos chefões da legenda mandato vitalício: eles estarão sempre nas primeiras posições da lista petista.
Como quase tudo o que envolve o partido de Lula, há também um forte componente financeiro no meio dessa discussão. Com a lista fechada, querem empurrar goela abaixo do eleitor o financiamento público das campanhas. As legendas não precisariam mais arrecadar dinheiro para disputar as eleições: receberiam um cheque polpudo do governo para cobrir todas as despesas. Desde os anos 80, muitos petistas defendem essa bandeira, sob o argumento de que o financiamento público permite que pobres e ricos concorram em pé de igualdade. Mas a questão só entrou na ordem do dia por causa do escândalo do mensalão. Pilhados operando um gigantesco esquema de corrupção usado para aliciar deputados, os petistas passaram a argumentar que o financiamento público eliminaria a necessidade de praticar malfeitos. Risível. A proposta do partido é que o governo financie as eleições com 7 reais por eleitor - o que significaria 950 milhões de reais a cada pleito. Os recursos seriam distribuídos de acordo com a votação de cada legenda na eleição anterior para a Câmara. Adivinhe quem ficaria com a maior parte, se a divisão do bolo ocorresse hoje. O PT, claro. É mais uma forma de tentar se perpetuar no poder.
O voto em lista fechada surgiu em 1885, na Bélgica. A ideia era permitir que diversas ideologias tivessem espaço no Parlamento, respeitando o direito de minorias. Mas sua aplicação só faz sentido quando há partidos fortemente ideológicos: um monarquista, um socialista, um liberal ... Na geleia geral dos partidos brasileiros, em que há gente que admite não ser "nem de direita, nem de esquerda, nem de centro", não há a menor justificativa para isso. A lógica petista, que pretende mudar as regras do jogo para usurpar do eleitor o direito de escolher seus representantes no Parlamento, emula o velho princípio bolchevique de que não há virtude fora do partido. Só a agremiação sabe o que é melhor para o povo. O germe dessa ideia tosca foi plantado na Rússia, após a revolução de 1917, e até hoje dá frutos podres em lugares tão democráticos quanto Cuba, China e Coreia do Norte. Inspirar-se nesse clube é tudo o que o Brasil não precisa fazer
author: Gusta
REV.VEJA
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