Josias de Souza
O Brasil sempre lidou de forma engenhosa com o problema do foro privilegiado. A questão é discutida exaustivamente há anos. Exausto, o país nunca resolve nada. De repente, surgiu no Supremo Tribunal Federal o esboço de uma saída. Mas o ministro Alexandre de Moraes encarcerou numa gaveta o processo que pode limitar o direito ao foro, restringindo o privilégio aos crimes cometidos por congressistas e autoridades durante e em razão do exercício da função pública. Na próxima sexta-feira, em plena Semana da Pátria, o aprisionamento dos autos completará 100 dias.
A sessão em que Moraes pediu mais tempo para analisar o processo foi interrompida quando o placar estava 4 a zero a favor da limitação do foro. Rosa Weber, Marco Aurélio Mello e Cármen Lúcia acompanharam a posição do relator Luís Roberto Barroso, favorável à regra restritiva. Num colegiado de 11 ministros, faltavam dois votos para atingir a maioria que remeteria para a primeira instância do Judiciário o grosso dos processos criminais que tramitam no Supremo à espera de julgamentos que nunca chegam.
Não há ilegalidade na atitude de Moraes. Pedidos de vista estão previstos no regimento do Supremo. Mas as circunstâncias sujeitam o ministro à maledicência. Indicado por Michel Temer para ocupar a cadeira que foi de Teori Zavaschi no Supremo, Moraes protege com seu gesto pelo menos oito ministros do atual governo que respondem a inquéritos na Lava Jato. Entre eles Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaira-Geral da Presidência), os dois auxiliares mais próximos do presidente.
De acordo com estatísticas mencionadas pelo relator Luís Barroso, há na Suprema Corte cerca de 500 processos criminais contra detentores de foro especial. ''O prazo médio para recebimento de uma denúncia pelo STF é de 565 dias”, disse o ministro. No caso de Fernando Collor, a demora foi de 732 dias. “Um juiz de 1º grau recebe uma denúncia, como regra, em menos de uma semana, porque o procedimento é muito mais simples”, acrescentou Barroso. Num processo contra Aldemir Bendini, ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobas, Sergio Moro recebeu a denúncia em dois dias.
Nas palavras de Barroso, o atual sistema ''é feito para não funcionar'' e se tornou uma ''perversão da Justiça''. O ministro realçou a necessidade de revisão da encrenca. “Há problemas associados à morosidade, à impunidade e à impropriedade de uma Suprema Corte ocupar-se como primeira instância de centenas de processos criminais. Não é assim em parte alguma do mundo democrático.''
Suprema ironia: na semana passada, o próprio Barroso autorizou a abertura de mais um inquérito contra o pluri-investigado senador Renan Calheiros (PMDB-AL). Com isso, ajudou a consolidar a migração de Renan da categoria de anomalia para o estágio de aberração jurídica. Além de ser réu numa ação penal, o senador ocupa o topo do ranking dos encrencados no Supremo. Coleciona 18 inquéritos, 13 dos quais relacionados à Lava Jato.
Afora Renan e os ministros de Temer, a investigação do maior escândalo de corrupção já varejado no Brasil empurrou para os escaninhos do Supremo, por enquanto, 64 deputados e 28 senadores. A maioria compõe o bloco que dá sustentação legislativa ao governo que Alexandre de Moraes já serviu como ministro da Justiça. A coincidência dá asas à tese de que o processo sobre o foro se encontra preso numa gaveta para livrar os políticos sob suspeição dos rigores das sentenças de juízes como Sergio Moro, de Curitiba, e Marcelo Bretas, do Rio de Janeiro. O falatório decerto é injusto.
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