Há,
sim, algumas diferenças fundamentais entre 1992 e 2015; entre as
circunstâncias que acompanharam a denúncia apresentada à Câmara contra
Fernando Collor, que resultou no seu afastamento, e as que estão
presentes no debate sobre o impeachment de Dilma Rousseff. Em 1992,
Barbosa Lima Sobrinho, então presidente da Associação Brasileira de
Imprensa (ABI), era um dos signatários da petição. Em 2015, a ABI
empresta a sua sede para Lula promover um ato de suposta defesa da
Petrobras. À porta da entidade, milicianos desceram o braço em pessoas
que protestavam contra Dilma. Em 1992, Marcelo Lavenère, então
presidente da OAB, assinava a petição junto com Barbosa. Em 2015, Marcus
Vinicius Furtado Coêlho, presidente da entidade, é candidato ao Supremo
e espera contar com a boa-vontade de Dilma. Entenderam o ponto? Em
1992, a esquerda queria chegar ao poder. Em 2015, os esquerdistas já
estão no poder. E que fique claro: havia uma penca de motivos para
denunciar Collor. Como acho que há uma penca de motivos para denunciar
Dilma.
Trago uma peça nem tão fácil de encontrar. Se vocês clicarem aqui,
encontrarão em PDF o Dário do Congresso Nacional de 3 de setembro de
1992 que traz a íntegra da denúncia formulada contra Collor com base na
Lei 1.079, a Lei do Impeachment. Se e quando tiverem tempo, vale a pena
dar uma lida.
Se a
história aceitasse recall com base em algumas avaliações influentes no
presente, seria o caso de devolver o mandato a Collor, que lhe teria
sido tomado, então, injustamente. Se faltam motivos para pedir o
impeachment de Dilma Rousseff — porque, segundo dizem, não há provas
contra ela —, então cabe perguntar quais eram as provas que existiam
contra o então ex-presidente. A pergunta seria absurda, dado tudo o que
se sabia, e se sabe, da promiscuidade entre o agora senador e PC Farias?
Seria, sim! Mas não menos do que essa história de que, até agora, nada
pesa contra Dilma.
Collor
foi denunciando com base no Inciso 7 do Artigo 8º e no Inciso 7 do
Artigo 9º da Lei 1.079. Ele foi acusado de permitir infração de lei
federal e de atentar contra o decoro do cargo. A lei exige que se se
apresentem provas. A dupla alinhavou algumas evidências colhidas pela
CPI — e não custa lembrar que o homem foi absolvido pelos pelo Supremo
—, mas deixava claro, desde o início, que a questão realmente relevante
era a política. Lá estava escrito:
“O
impeachment não é uma pena ordinária contra criminosos comuns. É a
sanção extrema contra o abuso e a perversão do poder político. Por isso
mesmo, pela condição eminente do cargo do denunciado e pela gravidade
excepcional dos delitos ora imputados, o processo de impeachment deita
raízes nas grandes exigências da ética política e da moral pública, à
luz das quais hão ser interpretadas as normas do direito positivo”.
A
mim, então, me parece bem. Quando sei que existe uma cadeia de comando
na Petrobras, que chega à presidente da República, e se sei que uma
quadrilha lá está instalada com o intuito, entre outros, de arrecadar
dinheiro para o partido do poder — dinheiro que, segundo consta, inundou
a sua própria campanha —, parece-me que as raízes da ética na política e
da moral pública foram desafiadas.
A petição contra Collor ensinava mais:
“Nos regimes democráticos, o grande juiz dos governantes é o próprio povo, é a consciência ética popular. O governante eleito que se assenhoreia do poder em seu próprio interesse, ou no de seus amigos e familiares, não pratica apenas atos de corrupção pessoal, de apropriação indébita ou desvio da coisa pública: mais do que isso, ele escarnece e vilipendia a soberania popular.”
“Nos regimes democráticos, o grande juiz dos governantes é o próprio povo, é a consciência ética popular. O governante eleito que se assenhoreia do poder em seu próprio interesse, ou no de seus amigos e familiares, não pratica apenas atos de corrupção pessoal, de apropriação indébita ou desvio da coisa pública: mais do que isso, ele escarnece e vilipendia a soberania popular.”
E o texto prossegue:
“É por essa razão que a melhor tradição política ocidental atribui competência, para o juízo de pronúncia dos acusados de crime de responsabilidade, precisamente ao órgão de representação popular. Representar o povo significa, nos processos de impeachment, interpretar e exprimir o sentido ético dominante, diante dos atos de abuso ou traição da confiança nacional.
A suprema prevaricação que podem cometer os representantes do povo, em processos de crime de responsabilidade, consiste em atuar sob pressão de influências espúrias ou para a satisfação de interesses pessoais ou partidários.”
“É por essa razão que a melhor tradição política ocidental atribui competência, para o juízo de pronúncia dos acusados de crime de responsabilidade, precisamente ao órgão de representação popular. Representar o povo significa, nos processos de impeachment, interpretar e exprimir o sentido ético dominante, diante dos atos de abuso ou traição da confiança nacional.
A suprema prevaricação que podem cometer os representantes do povo, em processos de crime de responsabilidade, consiste em atuar sob pressão de influências espúrias ou para a satisfação de interesses pessoais ou partidários.”
Acho
que está tudo aí. Se e quando alguém resolver apresentar uma denúncia
contra Dilma na Câmara, sugiro que copiem os termos da petição
apresentada por Barbosa Lima Sobrinho, no tempo em que a ABI não
abrigava milicianos, e por Lavenère, no tempo em que a OAB não se
comportava como esbirro de um projeto de poder e de um partido político.
Falei?
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