Em 20 de maio, no comício em Pernambuco que precedeu o primeiro banho de mar do navio petroleiro Zumbi dos Palmares, a presidente da República abriu uma clareira na floresta de menções amalucadas ao personagem que batizou a embarcação, frases sem pé nem cabeça sobre a seca do Nordeste e meia dúzia de pitos na inflação. Dilma Rousseff achou indispensável tratar também do crime hediondo praticado dois dias antes contra os beneficiários do maior programa oficial de compra de votos do mundo ─ e, por consequência, contra o governo que dele se beneficia. O vídeo de 1:36 eternizou a mistura de precipitação, oportunismo eleitoreiro, pilantragem irresponsável e pontapés na língua portuguesa:
“Pois muito bem, o que aconteceu no Brasil sábado?”, pergunta Dilma Rousseff, que já tem a resposta pronta na cabeça habitada por um neurônio só: “Espalhou-se um boato falso, negativo, um boato que leva intranquilidade às famílias mais pobres deste país, que são aquelas que recebem o Bolsa Família. Qual era o boato? O boato era que o governo federal não ia pagar o Bolsa Família. É algo absurdamente desumano o autor desse boato. Por isso, além de ser desumano, ele é criminoso, por isso nós colocamos a Polícia Federal para descobrir a origem de um boato que tinha por objetivo levar a intranquilidade aos milhões de brasileiros que nos últimos dez anos estão saindo da pobreza extrema. ”Eu queria deixar, e aproveitar aqui a imprensa e deixar claro: o compromisso do meu governo com o Bolsa Família é um compromisso forte, profundo e definitivo”.
Imediatamente, como recorda o editorial do Estadão desta terça-feira, começou o desfile dos áulicos. No mesmo dia 20, Maria do Rosário, que se apresenta como ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, fantasiou-se de detetive para, simultaneamente, espancar o idioma, agradar à comandante e garantir o emprego com a elucidação do crime pelo Twitter: “Boatos sobre fim do bolsa família deve (sic) ser da central de notícias da oposição. Revela posição ou desejo de quem nunca valorizou a política”.
Animado com a pilantragem eleitoreira que resultaria em mais um tiro no pé, José Eduardo Cardozo passou a tarde e a noite decorando advérbios antes de entrar em cena na manhã seguinte: “Evidentemente houve uma ação de muita sintonia em vários pontos do território nacional, o que pode ensejar a avaliação de que alguém quis fazer isso deliberadamente, planejadamente, articuladamente”, caprichou o ministro da Justiça com que sonham todos os fora-da-lei.
Na muda desde a descoberta do escândalo em que se meteu ao lado da segunda-dama Rose Noronha, Lula recuperou a voz uma semana mais tarde para emitir seu parecer: “O que mais falar com um ato de vandalismo desse?”, miou o ex-presidente em 27 de maio. ” Ou seja, eu só espero que se descubra quem fez isso, porque brincar com as pessoas mais pobres desse país é, eu diria, uma ofensa”.
Na primeira semana de apurações, soube-se que mais de 600 mil famílias recebiam a mesada em dobro. Menos de dois meses depois da denúncia registrada no vídeo, a Polícia Federal concluiu as investigações com a constatação que um sherloque boliviano poderia ter feito sem sequer dar as caras no Brasil: os culpados foram os companheiros da Caixa Econômica Federal que resolveram antecipar o pagamento do Bolsa Família e depositaram o
Nenhuma, avisa o comportamento dos declarantes desde que a PF confirmou que a bandidagem está logo ao lado. Dilma emudeceu. Nesta terça-feira, falou por ela o ministro Cardozo: “Havia depoimento que dizia que uma empresa de telemarketing havia informado que o Bolsa Família estava acabando e, com base nisso, a PF atuou na perspectiva de descobrir que empresa seria essa, pedindo inclusive a quebra do sigilo telefônico da pessoa que declarou ter recebido a ligação”, desandou em dilmês de porta de cadeia. “Só que, por uma série de contingências, não se chegou ao resultado se esta empresa teria encaminhado ou não. Há um conjunto de situações que talvez tenham concorrido para isso”.
Tradução: como os delinquentes são gente nossa, ocorreu aquele tipo de crime em que só há inocentes entre os culpados. Os comparsas já começaram a absolvê-los. Assim será até que as multidões indignadas voltem à rua para demolir de vez a usina de monumentos à impunidade
DO AUGUSTO NUNES-REV VEJA
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