O
ministro Ricardo Lewadowski protagonizou ontem um dos momentos mais
constrangedores do Supremo Tribunal Federal. Se, na segunda-feira, Celso
de Mello havia apelado a Cícero, a Santo Agostinho e a Santo Tomás de
Aquino, lembrando-nos, afinal, de que o STF é um corte constitucional
que honra o saber acumulado de gerações, Lewandowski ontem não se fez de
rogado. Malsucedido em sua viagem pela Antiguidade Clássica, quando
atribuiu ao escultor Fídias uma frase do pintor Apeles, houve por bem
não ousar no terreno da alta cultura — já que o Google trai quem não
sabe o que procura — e se deixou levar pela retórica, digamos,
popularesca, lustrando os que, afinal de contas, preferiram não acumular
saber nenhum. Ao defender a inocência de José Genoino, contou a fábula
dos cegos que apalpam um elefante. O que tocou na cauda disse que o
bicho se parecia com uma vassoura; o que tocou a orelha, com um leque; o
que tocou a tromba… Bem, leitores, não quero que este texto descambe
para a linguagem de botequim.
O que
estaria querendo dizer o Esopo de São Bernardo? O que ou quem seria o
elefante? Quais personagens representariam o papel dos cegos? Só uma
conclusão é possível. O processo estaria no lugar do paquiderme, e
seriam os demais ministros, privados da visão de conjunto, a apalpar,
literalmente às cegas, a realidade, colhendo, todos eles, não mais do
que impressões parciais da realidade. Ainda bem que lá estava o
professor Lewandowski para, com mais aguda vista do que todos os outros
homens, iluminar os fatos. Só ele saberia, porque ministro cuidadoso,
que um elefante não é uma vassoura, um leque ou uma mangueira d’água…
Como toda fábula, a do ministro também tinha uma moral: “Em terra de
cegos, quem tem olhos absolve petistas”… Alguém deveria, nem que fosse
por caridade, proteger Lewandowski de si mesmo. Como todo o respeito,
está se transformando numa figura patética.
A defesa de Genoino
O ministro voltou a ser implacável com Valério e seus associados. Também resolveu não queimar vela para mau defunto e condenou Delúbio Soares por corrupção ativa. O próprio ex-tesoureiro já deixou claro que sabe qual é seu destino, anunciando que vai cumpri-lo como mais uma tarefa partidária. Quem mobilizou o ânimo militante de Lewandowski foi mesmo José Genoino. Ali não estava o juiz; ali não estava o revisor do processo; ali não estava o membro da corte suprema do país. Ouviu-se foi a voz de um militante. Havia mesmo indignação na sua voz. A sua maneira, ele procurara ser o Celso de Mello do outro lado.
O ministro voltou a ser implacável com Valério e seus associados. Também resolveu não queimar vela para mau defunto e condenou Delúbio Soares por corrupção ativa. O próprio ex-tesoureiro já deixou claro que sabe qual é seu destino, anunciando que vai cumpri-lo como mais uma tarefa partidária. Quem mobilizou o ânimo militante de Lewandowski foi mesmo José Genoino. Ali não estava o juiz; ali não estava o revisor do processo; ali não estava o membro da corte suprema do país. Ouviu-se foi a voz de um militante. Havia mesmo indignação na sua voz. A sua maneira, ele procurara ser o Celso de Mello do outro lado.
Notem bem,
leitoras e leitores: não estou aqui a exigir que Lewandowski condene
quem acho que deva ser condenado para que, então, eu o elogie. Nada
disso! Estou a cobrar outra coisa: um pouco de decoro na argumentação. A
acusação de que se cuidava ontem era “corrupção ativa”. O ministro
simplesmente ignorou o objeto que estava em causa e partiu para defender
a suposta legalidade de um empréstimo que o Rural teria feito ao PT,
que contara com a assinatura de Genoino.
E se
esforçou, então, com mais energia do que a própria defesa do
ex-presidente do PT, para demonstrar que Genoino só assinara os
documentos do empréstimo que a Justiça considera falsos porque, afinal,
fazê-lo estava entre as suas atribuições. Assim, entende-se, condenar
Genoino seria aderir à tese da “responsabilidade objetiva”: só porque
estava no cargo, seria então culpado. Calma lá! O esquema que passou a
ser chamado de “mensalão” era, como resta claro dos depoimentos até
mesmo de Delúbio, uma decisão do comando do PT — com a anuência de Lula,
é evidente! Genoino não era um qualquer nessa estrutura. Ao contrário!
Estava na presidência da legenda, sucedendo José Dirceu. Não se chega ao
topo da hierarquia partidária sem conhecer suas entranhas, seus
métodos, suas escolhas.
E como
Genoino conhecia! Ele era, aliás, uma dos cardeais do partido, talvez a
sua cabeça mais ágil para lidar com assuntos do Congresso. Pode-se
acusá-lo de muita coisa, menos de ser idiota. Então Delúbio lhe
apresentava documentos, e ele os ia assinando assim, sem mais nem menos?
Então era ele o presidente do partido que, de forma deliberada,
comprava a base aliada, e devemos acreditar que ignorava a lambança?
Parte da dinheirama repassada aos corruptos passivos saiu desses
empréstimos chancelados por Genoino.
Lewandowski,
não obstante, insiste que ele não sabia de nada. Vá lá… Se acha isso
mesmo, que diga. Mas que o faça julgando o que está sendo julgado. E não
se cuidava, ali, da veracidade ou não dos empréstimos, mas da compra de
apoio parlamentar. Num momento em que esperou encontrar um socorro do
ministro Marco Aurélio, deu-se mal. Tentando conquistar a solidariedade
do outro para a sua tese de que assinatura de Genoino nos empréstimos
era parte de suas atribuições, teve de ouvir uma resposta vexaminosa,
que poderia ser resumida assim: “Sim, ministro, assinar o documento era
parte das atribuições de Genoino, mas não um empréstimo fraudulento”.
Um ministro ligeirinho
O ministro surpreendeu a muitos. O Lewandowski que não tem demonstrado especial amor pela celeridade, parecia ontem ter comido a sua lata do superespinafre. Quando se imaginava que a sessão caminharia para o fim, ele fez questão de votar — a tempo ao menos de o Jornal Nacional informar que o relator havia absolvido Genoino. Com quantos votos contará na corte? Não dá para saber. Mas parece que o PT não anda a desprezar qualquer nesga de esperança. Nesta quinta, ouviremos, certo como dois e dois são quatro, o seu voto absolvendo José Dirceu.
O ministro surpreendeu a muitos. O Lewandowski que não tem demonstrado especial amor pela celeridade, parecia ontem ter comido a sua lata do superespinafre. Quando se imaginava que a sessão caminharia para o fim, ele fez questão de votar — a tempo ao menos de o Jornal Nacional informar que o relator havia absolvido Genoino. Com quantos votos contará na corte? Não dá para saber. Mas parece que o PT não anda a desprezar qualquer nesga de esperança. Nesta quinta, ouviremos, certo como dois e dois são quatro, o seu voto absolvendo José Dirceu.
Lewandowski
também resolveu apelar a Kafka, sugerindo que Genoino é vitima de um
julgamento discricionário, que apela ao absurdo. É uma má leitura da
realidade e… de Kafka. Josef K., a personagem de “O Processo”, é levado
pelas autoridades, acusado de um crime que nem ele próprio sabe qual é.
As lambanças que unem os petistas, Marcos Valério e os bancos são
conhecidas. Em parte delas, há a assinatura de José Genoino!
No extremo
da argumentação insana, o ministro cantou as glórias de Genoino e nos
contou que a sua assinatura só foi exigida porque, afinal, ela conferia
credibilidade ao documento, segurança. Entendi, então, que o homem que
assinava uma peça do que o próprio tribunal considera uma tramoia não
era o presidente do partido, aquele que era um dos chefes da
organização, que conhecia, por óbvio, seus segredos, seus projetos e
seus atos. Nada disso! O Genoino que assinava era o outro, o homem sem
mácula. Na formulação de Lewandowski, o PT até poderia ser alvo de
algumas desconfianças, mas Genoino jamais!
Curioso!
Como Lewandowski deve absolver também José Dirceu, entendo que o
ministro quer nos fazer concluir que o verdadeiro chefe do PT era mesmo
Delúbio Soares. Quem acredita nisso? Não sei que parte do elefante o
ministro andou tateando; sei que não foi uma boa parte.
POR REINALDO AZEVEDO
REV VEJA
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