Por J. R. Guzzo - Revista Exame - 18 Abr 2012
O distinto publico ficou anos sem entender para que, afinal, servia o
tal Ministério da Pesca. Um escândalo de alguns milhões de reais
depois, finalmente temos a resposta Um dos mais curiosos mistérios da
administração pública brasileira, que há nove anos vinha desafiando
qualquer tentativa de explicação, foi finalmente esclarecido: para que
serviria o Ministério da Pesca?
Desde que foi fundado, em janeiro de 2003, logo no primeiro dia de
governo do ex-presidente Lula, o ministério (cujo nome completo,
acredite-se ou não, é Pesca e Aquicultura) não foi capaz de acrescentar
um único bagre, nem um modesto lambari que seja, à produção nacional de
peixes.
Nenhuma das funções que se possa imaginar para ele já não é exercida
por um monte das milhares de repartições públicas que estão há décadas
por aí, neste nosso Brasil tão grande do Ibama à Receita Federal, das
capitanias de portos às secretarias de finanças dos estados, dos
distritos navais da Marinha às prefeituras do litoral, ou seja lá ao
diabo que for.
Pesca-se no Brasil há 500 anos, e nunca passou pela cabeça de ninguém
que um ministro pudesse baixar alguma portaria capaz de fazer um
cardume de sardinhas, por exemplo, aparecer onde as sardinhas, pelas
suas razões pessoais, não querem dar as caras.
Lula, a certa altura, chegou a dizer que o ministério teria a missão
de fazer a "reforma aquária" pois a reforma agrária, em mais uma das
grandes realizações de seu governo, já estava no papo.
Foi engraçado, mas não explicou nada. E óbvio, também, que o
Ministério da Pesca jamais iria ensinar alguém a pescar ou a pescar
melhor o ministro recém-presenteado com o emprego, aliás, teve um acesso
de sinceridade no momento de sua nomeação e disse que, em matéria de
pesca, não saberia nem enfiar uma minhoca num anzol.
Felizmente, de um momento para outro, o enigma foi resolvido: o
Ministério da Pesca serve para empresários amigos do PT venderem lanchas
ao Ministério da Pesca. Ah, bom: agora deu, até que enfim, para
entender. As explicações foram fornecidas, dias atrás, por uma
reportagem de O Estado de S. Paulo. Um empresário que em 2010 havia
doado 150 000 reais à campanha da atual ministra das Relações
Institucionais, Ideli Salvatti, ao governo de Santa Catarina conseguiu
vender 28 lanchas-patrulha para o Ministério da Pesca, por algo acima de
30 milhões de reais. Há pouca coisa que se salve nessa história. A
experiência da tal empresa no ramo da indústria naval se resumia, até o
fechamento do negócio, à construção do grande total de uma (1) lancha.
O ministério não podia ter comprado lanchas-patrulha: não está
autorizado legalmente a fazer patrulhas (é mais uma das coisas que não
faz) e, se não pode fazer patrulhas, não precisa de lancha para
patrulhar coisa nenhuma. Das 28 lanchas que socaram em cima do Erário,
23 estão até hoje encostadas sem utilização. Ideli ficou em terceiro
lugar na eleição, mas ganhou do governo Dilma Rousseff, como
compensação, um ministério justamente, por uma dessas grandes
coincidências da vida, o Ministério da Pesca. Ali, por sinal, mandou
pagar a última parte da fatura ainda devida ao homem das lanchas e
contribuinte de sua campanha; coisinha de 5 milhões, nada muito mais que
isso. Naturalmente, o governo e o PT juram que nenhuma dessas coisas
tem nada a ver com a outra.
A ministra Ideli não tem nada a ver com o
caso. Nada tem a ver com nada. Na verdade, não aconteceu nada.
Fim da peça.
O Ministério da Pesca, como se vê agora, só servia para isto:
aumentar o mundo de vigarice que se formou, no Brasil, em torno da idéia
do "Estado forte", que tanto encanta o PT, os empreiteiros de obras e
qualquer sujeito que tenha alguma coisa a vender para o governo. Não
falem, perto da presidente Dilma, em diminuir o tamanho dessa gosma;
isso poderia ser entendido como uma defesa do "Estado mínimo", e ela tem
horror ao "Estado mínimo". Fechar um ministério, então, é considerado
praticamente um ato criminal.
Nem que seja, caso venha a ser criado um
dia, o Ministério das Perguntas Cretinas, legado imortal do Millôr
Fernandes, que acaba de nos deixar. | |
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