Bolívar Lamounier
Se há uma área à qual o chavão predileto do Lula se aplica plenamente, é a quantidade de escândalos no governo e no partido que o apóia. Realmente, período comparável aos últimos 7 anos e 10 meses, ”nunca antes na história desse país” se havia registrado.
Como explicar esse fenômeno ? Que fator ou fatores comuns haverá por trás dessa cascata de corrupção e desmandos a que temos assistido desde praticamente o início do governo Lula ?
Sim, os petistas têm uma explicação prêt-a-porter : o que houve foram tentativas de desgastar o governo, para impedir os “avanços” que ele se propôs implantar ; tudo o que se tem designado como corrupção foi inventado por jornalistas a soldo de uma conluio de elites e da mídia.
Óbviamente sem pretender esgotar o assunto, eu prefiro tentar entendê-lo por um prisma sociológico, isto é, através de algumas características do PT como organização. Noutra oportunidade, espero completar este texto analisando o perfil que Lula veio a encarnar como presidente .
Primeiro, um ranço totalitário de que o PT nunca quis ou conseguiu se livrar. Como todo partido imbuído de uma missão escatológica – a de conduzir o povo a uma espécie de paraíso terreno -, ele em alguma medida assumiu a consequência lógica : esse fim quase-divino justifica os meios.
O petista típico, aquele que mergulhou fundo no palavrório do partido, representa a vida social de uma maneira muito peculiar . Ele só consegue concebê-la em termos de um esquema binário e maniqueísta : o “povo”, necessariamente bom, e a “elite”, necessariamente má .
Do que acabo de expor decorre um entendimento profundamente anti-institucional da política e da democracia.
O povo, essa entidade abstrata, genérica, imaginária, obviamente não fala por si e não tem como agir como uma força coletiva autônoma. Quem pensa e age por ele ? O PT, é claro.
Falar pelo povo e conduzi-lo a seu destino histórico, ao paraíso terreno – eis a missão que o PT atribui a si mesmo, e a mais ninguém. E quem assume uma missão como essa, semi-divina, não pode se preocupar a todo momento com limites jurídicos ; com regras de conduta próprias da política “burguesa” ; com meras instituições .
No limite, a própria periodicidade dos mandatos e a alternância no poder são postas em questão : como pode um partido imbuído de fins escatológicos admitir paradas ou “retrocessos” ao longo de seu caminho ?
Os aspectos que abordei acima dizem respeito à filosofia (ou à mitologia) do PT, tomado aqui como exemplo de partido socialista, desses que se inserem ambiguamente na democracia representativa, indesivos entre aceitá-la de coração ou permanecer na beirada, ruminando um projeto revolucionário.
Mas o partido de carne e osso é outra coisa. É uma organização. Um partido de massas, principalmente, mantém um extenso rol de burocratas, técnicos e pesquisadores, especialistas em comunicação, sem esquecer os militantes remunerados, os arapongas e sabe Deus o que mais.
Socialmente, seus membros não provêm de uma camada homogênea, mas têm, em média, um apetite acentuado pelas benesses e prebendas que o poder oferece.
Quem estudou magnificamente esta questão, no início do século 20, foi Robert Michels, autor de um livro pioneiro sobre partidos políticos. No Brasil, Leôncio Martins Rodrigues tem destacado este lado da questão em estudos também excelentes.
No caso do PT, é fácil imaginar a pressão gerada de baixo para cima pelas demandas de seus sindicalistas, seus profissionais liberais, estudantes incertos quanto a sua futura inserção no mercado de trabalho etc etc à medida em que o partido foi conquistando prefeituras, governos estaduais e finalmente a presidência, com toda a imensa rede de influências que o governo federal proporciona em todo o país.
Isto aqui é uma página de blog, não uma dissertação acadêmica. Mas não custa lembrar como o glorioso “novo sindicalismo” de algum tempo atrás, que vergastava com a maior disposição a estrutura sindical corporativista e o imposto sindical, legados da ditadura getulista, foi mudando, virando CUT, mudando mais um pouco, mudando devagarinho até desistir de qualquer mudança e se aninhar por completo no governo de Luís Inácio.
Erenice Guerra e seu clã, não serão outra notável ilustração do processo de ascensão social que venho descrevendo ?
Como é que essa gente toda - com tanto apetite , com seu escasso apreço pelas regras do jogo democrático, com um resto ainda radioativo de maluquice escatológica – , como e por que iria abandonar o velho cacoete totalitário de exaltar os fins e degradar os meios ?
DO BLOG GRAÇA NO PAIS DAS MARAVILHAS
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