segunda-feira, 29 de novembro de 2010

“Mas qual é o seu problema com as UPPs, afinal?”

A pergunta do título já me foi feita mais de uma vez. A hipótese de muitos, não desconheço, obedece ao padrão Caetano Veloso de argumentação: eu seria contra o Jabuti para Chico porque ele apóia Dilma e os irmãos Castro e me oporia às UPPs porque Sérgio Cabral é aliado de Lula. Pergunto: seria eu a fazer uma leitura meramente ideológica dos fatos ou sou, na verdade, o objeto principal do expediente de que me acusam? Sobre Chico, quase nada mais resta a falar. O bom letrista é um mau romancista. Aliás, é até injusto afirmar: “Ah, ele não é bom prosador mesmo, mas sua música…” Ora, aquilo em que ele é notória e notadamente competente não deve entrar como oração adversativa, ou sua principal qualidade vira apenas compensação de sua pretensão. Fui claro? Petralha tem de ler de novo. Às UPPs agora.

Se a “unidade pacificadora” chega ao morro, impõe ali algumas regras básicas do estado de direito — e isso, em si, é bom —, mas condescende com o tráfico, e isso está acontecendo em pelo menos 11 das 13 favelas já “pacificadas, O QUE SE TEM É A LEGALIZAÇÃO DO TRÁFICO DE DROGAS, QUE PASSA A SER EXERCIDO SOB A PROTEÇÃO DO ESTADO. E é por isso que os pés-de-chinelo do tráfico, os soldadinhos baratos do crime, perderam emprego. Mudou a logística da operação. Antes, os traficantes respondiam pela segurança do se negócio — pagando, inclusive, propina à polícia. Esse custo foi agora estatizado.

E o que a bandidagem oferece em troca? Acaba aquela folia de ficar desfilando com fuzil pra cima e pra baixo. Isso ofende o decoro e passa a impressão de que a cidade está fora do controle. Para a capital que vai sediar as Olimpíadas de 2016 e que será centro operacional da Copa do Mundo de 2014, é muito ruim. Acho que estou sendo claro a mais não poder, não?

Objeção razoável
Uma objeção razoável ao que escrevo poderia lembrar que existe tráfico de drogas no Brasil inteiro, mesmo em pequenos e aprazíveis municípios do interior; nem por isso os traficantes andam de fuzil na mão e se tornam o poder local. É verdade. Se os morros do Rio, pois, passarem a gozar dessa condição, dizem, igualam-se ao Brasil: existirá o tráfico, mas com estado de direito.

A objeção é razoável, mas é contestável. Não se deslocam unidades especiais de polícia para tomar conta de “comunidades específicas”, como é a UPP. Mais: exceção feita aos casos de corrupção policial — e são muitos, eu sei —, o tráfico é reprimido. As UPPs, como estão, deveriam se chamar UPTs: Unidades de Pacificação do Tráfico — ou até de proteção. Ele passou a ser, na prática, tolerado e protegido, ainda que os policias que lá estejam sejam anjos, sem qualquer compromisso com a bandidagem. Muitos poderão dizer: “Ah, mas eu defendo a legalização das drogas”. Ok, é um debate. Mas ela tem de se fazer, então, dentro da lei e às claras.

O que não é possível é implementar ações dessa natureza descoladas de uma política mais geral. O Rio entrou em transe porque a bandidagem barata do tráfico foi sendo desalojada. No melhor dos mundos, todos os morros do Rio serão ocupados por UPPs, e o tráfico passará a empregar, sei lá, 2 mil pessoas em vez das estimadas 16 mil. Como o governo do Rio não gosta de prender bandido, pergunto: aquela gente vai pra onde? Uma alternativa é oferecer o Bolsa Traficante. A outra é despachar a bandidagem para São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais…

É claro que eu sou favorável a favelas pacificadas. Mas acho que o tráfico de droga tem de ser combatido em vez de ser submetido a uma espécie de regulamentação informal, protegido por homens que envergam o uniforme das forças de segurança do estado. Não interessa saber se sou de direita ou de esquerda, progressista ou reacionário, carola (como acusa Caetano Veloso) ou ateu. Quem sou não muda a realidade dos morros ditos pacificados. Quem sou não muda nem a prosa de Chico Buarque, pô…
Por Reinaldo Azevedo

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