por Ruy Fabiano
O mensalão voltou à cena. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ao excluir esta semana da lista de acusados o ex-ministro Luiz Gushiken, exacerbou os demais - sobretudo José Dirceu, apontado pelo procurador anterior, Antonio Fernando de Souza, como “chefe da quadrilha” que protagonizou o escândalo.
Sempre que se fala do mensalão, estabelece-se uma discussão no mínimo insólita. Ninguém reclama inocência. A defesa resume-se em afirmar que não houve o mensalão, mas “apenas” caixa dois, como se se tratasse de prática legítima e aceitável.
Pior é o argumento com que todos, inclusive Lula, o justificam: todos os partidos o fazem, o que legitimaria a prática. Nesse caso, teríamos uma nova figura no direito criminal: a estatística.
Se muitos (ou todos, como quer Lula) cometem determinado delito, este deixa de ser delito e transforma-se em padrão de conduta aceitável.
Transposto para o cenário mais amplo da República, a corrupção deixaria, por esse critério, de ser crime. Afinal, senão todos, muitos a praticam.
Além desse argumento quantitativo, invoca-se também a figura da precedência. Diz-se, diante de um flagrante delito, que “fiz, sim, mas o governo anterior também fez”. E se encerra a discussão, com base na mesma lógica: “se não sou o único, se outros também fizeram, então sou inocente”.
Foi o que ocorreu, por exemplo, no já esquecido escândalo dos cartões de crédito corporativos, no governo passado, em que ministros e altos funcionários foram flagrados usando recursos públicos para fins pessoais, que incluíam desde motéis até compra de tapiocas.
Quando se propôs uma CPI para investigar o caso, a bancada governista pulou, exigindo que as investigações recuassem aos governos anteriores. Em vez de protestar inocência, argumentava que a prática era antiga, o que sugeria que era legítima.
Na ocasião, a Casa Civil, sob o comando da hoje presidente Dilma Roussef, produziu um dossiê que buscava implicar naquele deslize o ex-presidente Fernando Henrique e sua mulher Ruth Cardoso.
Produzia-se um delito – o dossiê – para justificar outro, o uso ilegal dos cartões corporativos.
O mensalão, o mais bem documentado caso de corrupção sistêmica da história republicana, derivou, em pouco tempo, do que é para o que não é.
O ex-presidente Lula, que chegou a pedir desculpas pelo acontecido, sustentando que de nada sabia e que fora traído (mesmo não dizendo por quem ou por quê), passou, a certa altura, a afirmar que o mensalão simplesmente jamais havia existido.
Disse mais: que fora uma tentativa frustrada de um golpe de Estado por parte da oposição. Ignorou solenemente a ampla documentação de três CPIs que investigaram o caso; ignorou o relatório da Procuradoria Geral da República; e ignorou o próprio Supremo Tribunal Federal, que viu consistência nas acusações, as recebeu e abriu processo, que aguarda julgamento há cinco anos.
Lula chegou a prometer, numa entrevista, que, como ex-presidente, investigaria o que de fato ocorreu, como se essa função não lhe coubesse como chefe de Estado.
Ex-presidente não investiga, nem manda investigar nada. A missão é de quem está no cargo.
Quanto à oposição, não pode ser acusada de coisa alguma, a não ser a de ter sido quase passiva diante dos fatos.
A denúncia partiu de um integrante da base governista, o ex-deputado Roberto Jefferson, que falou com a autoridade de quem se auto-incrimina. Não protestou inocência, nem se apresentou como vítima. Assumiu seu papel no processo, conferindo veracidade ao que dissera. No direito, como se sabe, a confissão é a rainha das provas.
Há dois livros que relatam as minúcias do caso: “O Chefe”, de Ivo Patarra, e “Nervos de Aço”, do mesmo Jefferson. As denúncias estão ali detalhadas à exaustão, com hora, local, CPF e CEP dos acusados.
E, no entanto, discute-se hoje se o mensalão existiu ou não.
Só há um meio de sabê-lo de uma vez por todas: pelo julgamento, já adiado por duas vezes, do STF. Aguarda-se.
Fonte: Blog do Noblat.
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