O Dia Internacional da Mulher, data mais machista do calendário mundial,
ganhou neste ano contornos especiais no Brasil. Como se sabe, 8 de março
é o dia em que a mulher é tratada como classe – na homenagem mais
constrangedora que se poderia conceber. É o "dia delas", exaltam os
festejos paternalistas, reduzindo todas as pessoas do sexo feminino a
uma categoria. Mas, como esse tipo de bondade sempre pode piorar, a
criatividade populista em torno da "presidenta" está produzindo um mês
da mulher como nunca se viu antes – pelo menos em termos de maquiagem
progressista.
Dilma Rousseff foi homenageada com uma sessão no Congresso Nacional. Lá,
o Dia da Mulher caiu na terça-feira 13. Coincidentemente, o mesmo dia
marcado para o ministro da Fazenda dar explicações sobre o escândalo da
Casa da Moeda, no mesmo Congresso Nacional. Foi emocionante ver Guido
Mantega protegido pelo feminismo. Não se via um disfarce feminino tão
eficiente desde a fuga de Brizola para o Uruguai vestido de mulher, conforme
a lenda da ditadura.
José Sarney também deu seu brado feminista. Às voltas com mais uma denúnci
a de privatização do Estado por sua grande família, o presidente do Senado
voltou suas energias para o Dia Internacional da Mulher. Em discurso emocionado,
elogiou o "caráter de mulher" de Dilma Rousseff. Só um homem realmente sensível
saberia identificar uma mulher com caráter de mulher.
Só um homem sensível como José Sarney saberia identificar uma mulher com
caráter de mulher
Na sessão solene, vários políticos tiveram a oportunidade de parabenizar Dilma
por ela ser mulher. É um mérito e tanto. É preciso muito talento gerencial para
juntar, naquela escuridão danada, os cromossomos X – sem deixar que um Y venha
estragar tudo, dando origem a um ser com barba, gravata e nenhum dia
internacional de bajulação. Parabéns, Dilma! Esse gesto nobre se espalha pelo mundo
a cada 8 de março, congratulando esposas, amantes, secretárias, ministras e
especialmente mães, que, se não fossem mulheres, não dariam a ninguém a chance
de nascer (o que provocaria uma onda de desemprego entre os obstetras).
Esse galanteio genérico da sociedade para com o sexo feminino não é o que há de
mais estranho na modernidade. O mais estranho é boa parte das mulheres aceitar essa
esmola moral, entrando felizes no curralzinho VIP do mês de março – o "seu" mês! –
com pulseirinha de identificação e tudo. Talvez Luz Del Fuego precisasse nascer de
novo para mandar José Sarney ir procurar o "caráter de mulher" no seu mausoléu em
São Luís, no Maranhão, de preferência na próxima encarnação. Ou quem sabe uma
junta celestial reunindo Zilda Arns, Ruth Cardoso e Leila Diniz pudesse fulminar com
um raio esse feminismo de elevador – se possível esclarecendo que símbolos femininos
não nascem em laboratório sindical.
Em pronunciamento oficial na TV, Dilma Rousseff declarou que sua própria eleição foi
marcante para a afirmação das mulheres no Brasil. Mais feminino que isso, só a viúva
profissional Cristina Kirchner usando sua condição de vítima do destino para violentar
a liberdade de imprensa. Ouçam os cromossomos XX de Dilma falando à nação no dia 8
de março: "A mulher é uma pessoa dedicada e trabalhadora". Sotaque estranho. Quem
reduz a mulher a "uma pessoa" talvez a esteja confundindo com "uma coisa" – uma
coisa útil, que serve para embelezar discursos. Em lugar da mulher-objeto sexual, a
mulher-objeto demagógico.
No mesmo discurso, a presidente lançou uma ameaça velada aos homens: eles ficarão
em dívida com a sociedade se não olharem as mulheres com igualdade. Depois, na
abertura da sessão pelo Dia Internacional da Mulher, o presidente da Câmara dos
Deputados, Marco Maia, companheiro de Dilma, defendeu a criação de uma cota
feminina no Congresso Nacional. Talvez seja o nascimento do feminismo de resultados,
onde a mulher é uma pessoa cujo valor se mede pela aritmética. Considerando que a
Presidência da República foi conquistada para as mulheres por um homem, a lógica
está perfeita.
O Brasil assiste orgulhoso a essa espécie de corporativismo feminista, em que a
nomeação de mulheres para os altos escalões do governo é um bem em si mesmo,
não importando quem sejam as portadoras dos cromossomos XX. Se o parâmetro de
igualdade não for a saudosa companheira Erenice, nem tudo estará perdido.
ganhou neste ano contornos especiais no Brasil. Como se sabe, 8 de março
é o dia em que a mulher é tratada como classe – na homenagem mais
constrangedora que se poderia conceber. É o "dia delas", exaltam os
festejos paternalistas, reduzindo todas as pessoas do sexo feminino a
uma categoria. Mas, como esse tipo de bondade sempre pode piorar, a
criatividade populista em torno da "presidenta" está produzindo um mês
da mulher como nunca se viu antes – pelo menos em termos de maquiagem
progressista.
Dilma Rousseff foi homenageada com uma sessão no Congresso Nacional. Lá,
o Dia da Mulher caiu na terça-feira 13. Coincidentemente, o mesmo dia
marcado para o ministro da Fazenda dar explicações sobre o escândalo da
Casa da Moeda, no mesmo Congresso Nacional. Foi emocionante ver Guido
Mantega protegido pelo feminismo. Não se via um disfarce feminino tão
eficiente desde a fuga de Brizola para o Uruguai vestido de mulher, conforme
a lenda da ditadura.
José Sarney também deu seu brado feminista. Às voltas com mais uma denúnci
a de privatização do Estado por sua grande família, o presidente do Senado
voltou suas energias para o Dia Internacional da Mulher. Em discurso emocionado,
elogiou o "caráter de mulher" de Dilma Rousseff. Só um homem realmente sensível
saberia identificar uma mulher com caráter de mulher.
Só um homem sensível como José Sarney saberia identificar uma mulher com
caráter de mulher
Na sessão solene, vários políticos tiveram a oportunidade de parabenizar Dilma
por ela ser mulher. É um mérito e tanto. É preciso muito talento gerencial para
juntar, naquela escuridão danada, os cromossomos X – sem deixar que um Y venha
estragar tudo, dando origem a um ser com barba, gravata e nenhum dia
internacional de bajulação. Parabéns, Dilma! Esse gesto nobre se espalha pelo mundo
a cada 8 de março, congratulando esposas, amantes, secretárias, ministras e
especialmente mães, que, se não fossem mulheres, não dariam a ninguém a chance
de nascer (o que provocaria uma onda de desemprego entre os obstetras).
Esse galanteio genérico da sociedade para com o sexo feminino não é o que há de
mais estranho na modernidade. O mais estranho é boa parte das mulheres aceitar essa
esmola moral, entrando felizes no curralzinho VIP do mês de março – o "seu" mês! –
com pulseirinha de identificação e tudo. Talvez Luz Del Fuego precisasse nascer de
novo para mandar José Sarney ir procurar o "caráter de mulher" no seu mausoléu em
São Luís, no Maranhão, de preferência na próxima encarnação. Ou quem sabe uma
junta celestial reunindo Zilda Arns, Ruth Cardoso e Leila Diniz pudesse fulminar com
um raio esse feminismo de elevador – se possível esclarecendo que símbolos femininos
não nascem em laboratório sindical.
Em pronunciamento oficial na TV, Dilma Rousseff declarou que sua própria eleição foi
marcante para a afirmação das mulheres no Brasil. Mais feminino que isso, só a viúva
profissional Cristina Kirchner usando sua condição de vítima do destino para violentar
a liberdade de imprensa. Ouçam os cromossomos XX de Dilma falando à nação no dia 8
de março: "A mulher é uma pessoa dedicada e trabalhadora". Sotaque estranho. Quem
reduz a mulher a "uma pessoa" talvez a esteja confundindo com "uma coisa" – uma
coisa útil, que serve para embelezar discursos. Em lugar da mulher-objeto sexual, a
mulher-objeto demagógico.
No mesmo discurso, a presidente lançou uma ameaça velada aos homens: eles ficarão
em dívida com a sociedade se não olharem as mulheres com igualdade. Depois, na
abertura da sessão pelo Dia Internacional da Mulher, o presidente da Câmara dos
Deputados, Marco Maia, companheiro de Dilma, defendeu a criação de uma cota
feminina no Congresso Nacional. Talvez seja o nascimento do feminismo de resultados,
onde a mulher é uma pessoa cujo valor se mede pela aritmética. Considerando que a
Presidência da República foi conquistada para as mulheres por um homem, a lógica
está perfeita.
O Brasil assiste orgulhoso a essa espécie de corporativismo feminista, em que a
nomeação de mulheres para os altos escalões do governo é um bem em si mesmo,
não importando quem sejam as portadoras dos cromossomos XX. Se o parâmetro de
igualdade não for a saudosa companheira Erenice, nem tudo estará perdido.
REVISTA ÉPOCA
Nenhum comentário:
Postar um comentário