quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Palocci injeta autofagia na deterioração de Lula

Josias de Souza
Os deuses do acaso foram caprichosos com Lula. No dia do encerramento da caravana nordestina do pajé do PT, Antonio Palocci prestou depoimento a Sergio Moro, em Curitiba. Lula gastou os últimos 20 dias fazendo pose de “guerreiro do povo brasileiro”. Em duas horas de depoimento, Palocci demoliu a fantasia. Acusou o líder máximo do petismo de guerrear pelos interesses da Odebrecht. Num “pacto de sangue” com a construtora, Lula amealhou propinas para bancar suas campanhas eleitorais e os seus confortos, dedurou o amigo.
Ao quebrar o silêncio, Palocci acrescentou uma novidade no processo de apodrecimento da reputação de Lula. Pela primeira vez, o ex-soberano enfrenta a autofagia companheira. Até aqui, Lula dedicou-se a desqualificar o juiz e os procuradores da Lava Jato. Se fizer o mesmo com Palocci será como xingar a própria imagem refletida no espelho. Palocci mantinha com Lula uma relação do tipo unha e cutícula.
Lula talvez não tenha se dado conta. Mas empurrou o companheiro para o colo dos investigadores. Num dos processos que responde na Lava Jato, Palocci é acusado de coletar verbas sujas em nome de Lula. Na contabilidade do Departamento de Propinas da Odebrecht, a verba destinada a Lula era lançada na rubrica “Amigo”. O ex-presidente petista respondeu à suspeita assim:
“Quem tiver contando mentiras, quem tiver inventando historinhas, quem tiver dizendo que criou uma conta pra mim, para um terceiro… Já faz sete anos que eu deixei a Presidência. Essa conta está onde? Esse terceiro está onde? Esse cara deve estar comendo, então, o dinheiro que era pra mim, porra!”
Preso em Curitiba, Palocci ficou imprensado. De um lado, a provedora Odebrecht. Do outro, o beneficiários dos mimos, que jura não ter recebido nada. Ou Palocci abria o bico ou seria condenado como um comedor solitário e egoísta de propinas —sem atenuantes. Faltando-lhe o histórico militante de José Dirceu, Palocci sucumbiu. Foi como se mandasse uma coroa de flores para o mito petista —com uma mensagem no cartão: “Descanse em paz.”

Dilma para Geddel: Vem pra Caixa você também!


Josias de Souza
Michel Temer mal tivera tempo de festejar a erosão da colaboração judicial da JBS quando a Polícia Federal estourou a caverna de Ali-Baba que Geddel Vieira Lima improvisou num condomínio em Salvador. Foi a maior apreensão de dinheiro vivo já realizada na história: R$ 51.030.866,40. Repetindo: depois de passar o dia contando dinheiro, a PF informou que o ex-ministro de Temer, amigo do presidente há três décadas, entesourou num apartamento na capital baiana R$ 51 milhões.
A batida policial foi ordenada pelo juiz Valisney Oliveira, de Brasília. Deu-se no âmbito da Operação Cui Bono, que apura um assalto à Caixa Econômica Federal. Noutros tempos, quando se falava sobre bancos e assaltos, imaginava-se que a coisa acontecia de fora pra dentro. O PMDB da Câmara, grupo de Temer, desenvolveu na Caixa o assalto de dentro pra fora. No caso de Geddel, a coisa aconteceu durante o imaculado governo de Dilma Rousseff.
Sob o comando do PT, a casa bancária estatal já estava loteada politicamente. E Dilma acenou para Geddel: “Vem pra Caixa você também!” Apadrinhado por Temer, Geddel foi guindado ao posto de vice-presidente de Pessoa Jurídica da instituição. Ali permaneceu de 2011 até 2013. Saiu quando bem quis. E produziu resultados que reforçam o já sabido: a corrupção brasileira tem vocação amazônica.

Por uma dessas trapaças do destino, a “caverna” de Geddel foi estourada no mesmo dia em que a Procuradoria-Geral da República denunciou Lula, Dilma e outros seis grão-petistas por formar uma organização criminosa. O grupo é acusado de roubar durante a Era petista R$ 1,485 bilhão em verbas públicas.
No caso de Geddel, a PF desbaratou uma inusitada e sigilosa forma de fazer poupança: dinheiro vivo depositado em caixas de papelão e malas, espalhadas por um apartamento sem mobília. Ironia suprema: escondeu-se num endereço residencial uma fortuna presumivelmente desviada de uma instituição financeira estatal que convida brasileiros pobres a abrir contas de caderneta de poupança nas suas agências: “Vem pra Caixa você também!” Geddel foi.

Drama de Janot não apaga provas contra Temer

Josias de Souza
A provável revisão do acordo de colaboração judicial do Grupo JBS deixou Michel Temer animado. Mas o presidente, de volta da viagem à China nesta quarta-feira, logo perceberá que seu entusiasmo se parece muito com a sensação de um afogado que confunde jacaré com tronco. O drama vivido pelo procurador-geral Rodrigo Janot oferece a Temer um discurso político contra seu algoz. Não altera, porém, sua situação penal. Tampouco devolve ao governo a maioria constitucional de que precisa para aprovar a reforma da Previdência.
A mediocridade continuará correspondendo ao apreço que o governo Temer lhe devota. E o presidente conseguirá atingir a meta de não cair, hoje sua prioridade zero. Mas Temer se manterá na poltrona porque seus rivais não dispõem dos 342 votos necessários para que o plenário da Câmara autorize o Supremo Tribunal Federal a analisar a segunda denúncia a ser apresentada por Janot. Sua sobrevivência não está relacionada às explicações que o procurador-geral precisa oferecer sobre o amigo Marcelo Miller, que assessorou os delatores da JBS quando ainda trabalhava como procurador da Lava Jato.
A defesa de Temer requereu novamente no Supremo o afastamento de Janot do caso JBS. Volta à carga quatro dias depois de o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato, ter indeferido um pedido de suspeição semelhante. Trata-se de um ensaio para um movimento mais ousado. Advogado de Temer, Cláudio Mariz de Oliveira amadurece a ideia de protocolar no Supremo uma petição pedindo a anulação da peça que fez do seu cliente o primeiro presidente da história a ser denunciado por corrupção.
Dois ministros da Suprema Corte disseram ao blog nesta terça-feira que o vendaval que sacode o acordo firmado entre Janot e o Grupo JBS não varre da cena as provas recolhidas na investigação. Em situações como a atual, a lei autoriza o Estado a rever os prêmios concedidos a delatores que desonram o acordo, sem prejuízo do aproveitamento das provas.
E as evidências recolhidas contra Temer não são banais: o encontro noturno no Jaburu com Joesley Batista, um empresário investigado por corrupção e lavagem de dinheiro. Os 38 minutos de conversa gravada, repleta de indícios de ilicitudes e frases esquisitas. Coisas como “zerar pendências” com Eduardo Cunha para, segundo o delator, comprar-lhe o silêncio. Ou o “tem que manter isso, viu?”, que Temer admitiu ter pronunciado depois que Joesley lhe informou sobre suas boas relações com Cunha. Ou ainda o “ótimo, ótimo” que Temer enganchou na revelação de Joesley de que estava subornando dois juízes e um procurador.
De resto, o mais inquietante: o fato de Temer ter confirmado que indicara o ex-assessor Rodrigo Rocha Loures, então deputado federal, como seu interlocutor junto a Joesley. E o esforço que o presidente teve de fazer na Câmara para impedir que os deputados autorizassem o Supremo a investigar os supostos vínculos de Temer com a propina de R$ 500 mil que Loures receberia numa mala da JBS dias depois do diálogo vadio do Jaburu.
O novo áudio tóxico da JBS não apaga esses fatos. Quando deixar a Presidência, Temer terá de acertar contas com a Justiça, provavelmente na primeira instância. E vem aí a segunda denúncia, vitaminada pela delação do operador de propinas Lúcio Funaro, homologada nesta terça-feira pelo ministro Edson Fachin.