quarta-feira, 6 de abril de 2016

‘Golpes contra as instituições’, um artigo de José Nêumanne


Publicado no Estadão
Esqueça comunismo, socialismo, bolivarianismo ou populismo. Tudo isso serve apenas de lorota retórica para engabelar o povo. O que o Partido dos Trabalhadores (PT) e aliados executaram em 13 anos e três meses no poder na República foi um crime comum planejado e executado com frieza e cálculo. E justificado com mantras ideológicos para manter vivo o fervor da militância. A Operação Carbono 14, 27ª fase da Lava Jato, que completa dois anos de profícua existência, prova também que os casos Celso Daniel, Mensalão e Petrolão não foram isolados, mas um escândalo só: o maior assalto aos cofres públicos, como nunca antes tinha havido na História deste País. Quiçá do mundo!
Há quem diga que as instituições do Estado Democrático de Direito estão funcionando normalmente no Brasil. Graças a Deus! Mas será que estão mesmo? Até este momento as aparências mostram que sim. Mas, como dizia o título de uma coluna do chargista Carlos Estêvão, na extinta revista O Cruzeiro, “as aparências enganam”. É. Pode ser! Até agora, a força-tarefa, composta por agentes da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF), tem produzido uma surpreendente devassa da compra de dirigentes políticos, empresários de peso e burocratas antes intocáveis e esta mostra o pleno funcionamento da Justiça. A confirmação das decisões do juiz federal paranaense Sérgio Moro por tribunais superiores reforça tal impressão. Mas será que não é apenas uma impressão?
Os impropérios públicos contra a atuação independente dessa fração do Poder Judiciário proferidos pela presidente da República, pelo maior líder (e sua principal base política de sustentação) e por dirigentes, parlamentares e militantes do partido deles, contudo, ameaçam a continuidade e efetividade da operação. Já se comenta abertamente nos meios de comunicação a possibilidade da anulação de seus atos por impugnação de algum deslize do juiz, como ocorreu antes na Operação Castelo de Areia, por exemplo.
Ora, direis, estas são apenas conjecturas. Pois o povo na rua prestigia o desempenho de policiais, procuradores e do juiz, mantendo eventuais desafetos de seu trabalho sob pressão. Mas na República não vigora o lema de grevista segundo o qual “o povo unido jamais será vencido”. Ainda que o trabalho da “República de Curitiba” seja aplaudido e defendido por 90% da população, segundo o Instituto Ipsos, isto não bastará para mantê-lo. Ele precisa do suporte das instâncias superiores do Judiciário e, embora esteja sendo confirmado, já começa a receber alguns avisos bastante claros da mais alta delas, o Supremo Tribunal Federal (STF), em decisões que podem significar: “devagar com o andor, que o santo é de barro”.
De qualquer maneira, as últimas notícias não deixam dúvidas quanto à evidência de que o aparelhamento do Poder Executivo pelos partidos governistas, principalmente o da “chefa” do governo, não se limita mais à ocupação dos cargos nas repartições públicas e nas estatais, sem a qual o gigantesco assalto não teria sido possível. Agora atingiu o topo. Apoiada na máquina pública aparelhada e na vitória apertadíssima no pleito de 2014, a militante Dilma Vana Rousseff Linhares passou a ocupar a sede do poder republicano, o Palácio do Planalto, como se fosse um aparelho de seus tempos de guerrilheira Estela, reunindo massas fanáticas que berram palavras de ordem provocadoras como “não vai ter golpe”.
E pior: “vai ter sangue”. Fazendo coro a gritos de guerra puxados pela alterada ocupante temporária do próprio público, o deputado Major Olímpio (SD-SP) foi agredido e expulso de uma posse de ministros. Os presidentes da CUT, Vagner de Freitas, e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, ameaçaram pegar em armas para defender a permanência da chefe no governo. E o secretário de Comunicação, Edinho Silva, falou até em cadáver.
Para animar plateias que se dispõem a ouvir suas arengas, a “presidenta” manda Montesquieu às favas agredindo o Legislativo e o Judiciário, como se estes tivessem obrigação de concordar com ela, com a afirmação que afronta a lei, “impeachment é golpe”, agora acrescentada da pretensa atenuante “sem provas”.
E madama Dilma vai além: o palácio que virou aparelho e, depois, auditório para resistência sindical, está sendo usado como brechó de quinta categoria. Nele, a adesão de parlamentares à manutenção a qualquer custo do resto de mandato de Dilma está sendo alugada com dinheiro do contribuinte. Primeiramente, ela fez ouvidos de mercador à crise ética, permitindo por omissão o assalto desmesurado ao patrimônio público, que levou ao empobrecimento da Petrobras e à recessão. Gerou, assim, a maior crise econômica da História. E decidiu esvaziar de vez o caixa para manter a posse de sua chave.
O parágrafo anterior revela a desmoralização do Poder Legislativo, que é base da democracia, por representar o poder do cidadão. Mas o crime impune descrito é apenas uma das demonstrações da ameaça à higidez desta instituição basilar do Estado Democrático de Direito. Pois ainda salta aos olhos da multidão a degeneração das casas de leis presididas por parlamentares investigados em vários casos criminais.
A lerdeza torna-se sinônima de leniência do Judiciário, que o cidadão constata comparando dois números: 67 condenados em 17 processos na primeira instância e nenhum político com foro privilegiado punido na forma da lei na instância final. E o Supremo Tribunal Federal (STF) tem também seu prestígio institucional arranhado pela corrida de seus membros rumo à luz dos holofotes e à proximidade dos microfones dos meios de comunicação.
Nem quartéis nem ruas ocupadas pelo povo ameaçam o funcionamento das instituições. Mas, sim, seus ditos guardiões que, em vez de fortalecê-las, as usam para se manterem no topo e ficarem à sombra e água fresca de paraísos fiscais. DO A.NUNES

Movimento Brasil Livre pede o impeachment de Marco Aurélio. Faz muito bem!

Que Renan Calheiros ouça o próprio ministro, então, e mande já instalar a comissão, ora essa! O homem passou dos limites e fere dispositivos da Lei 1.079, que o expõem, sim, ao impedimento

Por: Reinaldo Azevedo
O Movimento Brasil Livre decidiu entrar nesta quarta com um pedido de impeachment de Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo. Faz muito bem! Acho mesmo que é o caso. Como já escrevi aqui, é evidente que o ministro foi além de seus limites numa série de atitudes, todas elas incompatíveis com o cargo.
Vamos ver: o Inciso II do Artigo 52 da Constituição define que cabe ao Senado “processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade”. Assim, a denúncia tem de ser feita ao Senado.
E quais são os crimes de responsabilidade de um ministro do Supremo? Eles estão definidos no Artigo 39 da Lei 1.079 — aquela do impeachment —, a saber:
Art. 39. São crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal:
1- alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal;
2 – proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa;
3 – exercer atividade político-partidária;
4 – ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo;
5 – proceder de modo incompatível com a honra, a dignidade e o decoro de suas funções.
Mas Marco Aurélio fez uma ou mais dessas coisas? Bem, a meu ver, duas, e o pedido de impeachment é plenamente justificado. Mais: se Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, seguir as regras defendidas pelo próprio Marco Aurélio, só lhe cabe aceitar de pronto a denúncia e mandar instalar uma comissão.
Vamos lembrar: contrariando o Regimento Interno da Câmara e clara jurisprudência do Supremo, Marco Aurélio concedeu uma liminar determinando que a Presidência da Câmara instale uma comissão para avaliar uma denúncia com vistas ao impeachment de Michel Temer, vice-presidente da República.
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) havia negado tal denúncia, apresentada por um advogado mineiro. Este entrou com um mandado de segurança no Supremo, de que Marco Aurélio foi relator. O ministro concedeu uma liminar, atropelando regimento e jurisprudência. Imaginem só: Cunha já negou 39 pedidos de impeachment contra Dilma. E há mais oito pendentes. E se todos decidirem recorrer?
Mas essa é só questão, vá lá, que evidencia o absurdo da coisa. O que resta claro é que o ministro está ignorando, de maneira deliberada, diplomas legais — incluo aí a jurisprudência — que o impedem de conceder a liminar.
É inquestionável que os itens 4 e 5 do Artigo 39 da Lei 1.079 estão sendo feridos. Marco Aurélio está sendo “patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo” — vale dizer: está investindo na confusão, no confronto, na balbúrdia — e está procedendo “de modo incompatível com a honra, a dignidade e o decoro de suas funções”.
E que se note: tal atitude — e a lei está aí justamente para coibi-lo — vem na esteira de uma sequência de provocações que só têm contribuído para tornar mais tenso um ambiente que já anda bastante carregado.
Marco Aurélio concedeu entrevistas em que, abertamente, contesta aqueles que apontam que a presidente Dilma cometeu crime de responsabilidade — ele pode ter essa opinião, mas que a reserve para os autos — e acusa, de forma genérica, sem identificar os alvos, a existência de autores que estariam mancomunados numa espécie de complô contra a presidente. Foi além do ridículo. E do aceitável também.
Pior: no caso em questão, Marco Aurélio milita contra aquela que tem sido a sua linha mais constante de intervenções e votos no Supremo: a não interferência de um Poder em outro. O homem decidiu, no entanto, ser um “intervencionista” só nesses dias de impeachment. Eu jamais me esquecerei de que ele esteve entre aqueles que, em nome da independência dos Poderes, afirmaram que cabia a Lula decidir se o terrorista Cesare Battisti ficaria ou não no Brasil, embora o próprio Supremo tenha considerado o refúgio ilegal. E o que argumentou o doutor? Que a Corte não poderia cassar uma prerrogativa do presidente da República, independentemente da legalidade ou não do refúgio porque, afinal, decidir era sua (de Lula) competência indeclinável. A liminar concedida determinando a instalação da comissão para avaliar o impeachment de Temer, portanto, além do absurdo em si, caracteriza-se por ser parte de uma ação que parece consciente e que conduz à desídia, não ao entendimento. E isso tem como corolário a quebra do decoro.
Para encerrar
Quando se diz que, nas democracias, há a tripartição do poder em Poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário — e que estes devem ser independentes e harmônicos, quer-se dizer que nenhum deles será soberano. Ou democracia não há. O fato de o Judiciário ser, no mais das vezes, a última palavra não lhe confere a prerrogativa de ser arbitrário nem a seus membros a licença especial para fazer política com a toga nos ombros.
Por isso, o Poder Legislativo, por meio do Senado, pode, sim, impichar um ministro do Supremo.
É claro que é difícil. Ninguém é ingênuo. É, sim, pouco provável. É quase certo que Renan vá jogar no lixo o voto de Marco Aurélio sobre a Câmara e recusar ele mesmo o pedido. Mas o MBL cumpre uma função importantíssima para a política, para a cidadania e para a sociedade do esclarecimento: põe o dedo na ferida.
A atuação deletéria do ministro Marco Aurélio, neste momento, merece o devido registro histórico e o claro repúdio.