domingo, 17 de junho de 2012

Para eleger o novo, Lula junta no palanque do PT a ex-prefeita que expulsou no século passado e um velho conhecido da Interpol

“Luiz Inácio Lula da Silva tem como princípio não ter princípio, tanto moral, ético ou político”, começa o brilhante artigo de Marco Antonio Villa reproduzido na seção Feira Livre. Homens assim se dispensam de compromissos com o que dizem, berram as estrondosas colisões entre a prática e o discurso da metamorfose malandra. Villa demonstra que tem sido assim desde 1975. Não poderia ser diferente na temporada eleitoral deste ano.
No Programa do Ratinho, por exemplo, Lula invocou no critério da certidão de nascimento para justificar a escolha do candidato do PT à prefeitura de São Paulo. “Por que o Fernando Haddad?”, levantou a bola o apresentador. Decidido a acentuar a suposta vantagem dos 51 anos do ex-ministro da Educação sobre os 70 do adversário tucano José Serra, o palanqueiro oportunista aposentou sem anestesia a  companheira Marta Suplicy.
“Convivi com a Marta durante trinta anos”, informou. “Era o momento da gente apresentá uma coisa nova pra São Paulo. A população votará no novo porque quer mudança em São Paulo”. Convidado a subir ao palco pelo apresentador, o candidato recitou com muita aplicação o palavrório ditado pelo principal slogan da campanha: “Um homem novo para um tempo novo”. E concordou com o chefe: o eleitorado de São Paulo quer ver pelas costas quem já administrou a cidade.
Nesta sexta-feira, Haddad fingiu que nunca esteve no Programa de Ratinho, nem sabe quem é o marqueteiro da campanha, para comunicar oficialmente (sem ficar ruborizado) que a candidata a vice é a deputada federal Luiza Erundina. Indicada pelo PSB, Erundina foi prefeita de 1989 a 1992. Vai completar 78 anos em novembro. E ambos se enfiaram na mesma saia justa quando os jornalistas perguntaram se estão satisfeitos com a aliança, costurada por Lula e Dilma Rousseff, que colocou no colo da dupla Paulo Maluf e seu PP.
Hoje com 80 anos, o novo aliado foi prefeito entre 1969 e 1971, nomeado pelo governo militar, e voltou a ocupar o cargo de 1993 a 1996. Quase conseguiu quebrar São Paulo. Escolheu Celso Pitta para completar a obra de destruição e nunca mais conseguiu vencer uma disputa majoritária. Em troca do apoio a Haddad e Erundina, a afilhada de Lula acaba de doar-lhe um cofre (disfarçado de “Secretaria”) no Ministério das Cidades. Terá de gastar o lucro por aqui: a Interpol mantém o nome de Maluf na lista dos mais procurados em todo o mundo. A partir de segunda-feira, poderá encontrá-lo no palanque do PT.
Como só sabe falar do novo, Haddad perturbou-se quando instado a explicar o súbito apreço pelo antigo pesadelo. Um repórter quis saber como se sentirá ao lado de Maluf. Resposta transcrita do vídeo gravado pelo UOL: “Olha…veja bem…quando você faz uma composição política, você tem que ter o princípio. Se você olhar cada partido individualmente, você vai fazer…é…a tua avaliação sobre… é… A, B, ou C”. Nem Dilma Rousseff chegou a tanto.
Lula não compareceu à festa que juntou duas gerações do PT. Uma é a que expulsou Erundina porque aceitou ser ministra do presidente Itamar Franco. Outra é a que topa qualquer negócio, até com Maluf. O que parecia um partido virou rebanho. Lula continua o mesmo. O repertório de vigarices é que ficou maior. Quando não sabe o que dizer, ele agora se recolhe ao Sírio Libanês, perde a voz por dois dias e reaparece com cara de quem não tem nada com isso. Nunca teve.
POR AUGUSTO NUNES
REV VEJA

Gravações indicam existência na Câmara de um balcão de negócios com emendas ao Orçamento

A semana começa sob os ruídos de um novo velho escândalo. O caso é novo porque ainda não havia chegado às manchetes. É velho porque é feito de uma matéria prima muito comum no noticiário sobre corrupção: as famigeradas emendas parlamentares.
Deve-se a revelação da encrenca ao repórter Paulo Celso Pereira. Ele obteve um par de gravações. Soam nos áudios as vozes de duas pessoas ligadas a um deputado chamado João Bacelar (PR-BA). Uma, Isabela Suarez, é ex-mulher do parlamentar. A outra, Lílian Bacelar, é irmã dele.
Lílian mede forças com o irmão deputado um litígio judicial pela partilha da herança do pai. Gravou conversas mantidas com Isabela. Sem saber que estava sob escuta, a ex-mulher relata detalhes de um esquema operado por João Bacelar. O deputado compra emendas de colegas, ela contou.
Isabela detalhou para Lílian os negócios atribuídos a Bacelar. Num trecho da conversa, declarou: “Desse cara do PT, com certeza ele compra emenda. O nome dele é Geraldo alguma coisa. Federal da Bahia. Se procurar, na hora você vai achar: Geraldo. Com certeza, com certeza. Eles operavam com o filho dele.”
Na bancada do PT baiano há um único deputado chamado Geraldo. O nome completo é Geraldo Simões. A prosa de Isabela orna com o teor de uma planilha apalpada pelo repórter junto com um lote de e-mails trocados pelo deputado João Bacelar.
Nesse tabela, aparecem os nomes de sete municípios baianos que receberam verbas da Codevasf (Cia. de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba). Dinheiro provido por meio de emendas empurradas para dentro do Orçamento da União.
Cada município aparece no documento associado a uma cifra e às iniciais de cinco autores de emendas: GS, FS, JB, MM e FF. Dessas siglas, apenas FS não foi identificada. Quanto às demais, um cruzamento feito com as emendas direcionadas à Codefasf permitiu descobrir os rostos escondidos atrás das letras.
GS é Geraldo Simões (PT-BA), JB é o próprio João Bacelar (PR-BA), MM é Marcos Medrado (PDT-BA) e FF é o ex-deputado Fernando Fabinho. Os parlamentares negam que tenham cometido irregularidades.
Normalmente, deputados costumam direcionar verbas do Orçamento para cidades onde colecionam votos. Por mal dos pecados, a planilha baiana revela um fenômeno inusitado.
O dinheiro foi mandado para redutos eleitorais de João Bacelar, não dos autores das emendas. Em cinco dos sete municípios mencionados Bacelar foi o primeiro ou o segundo deputado mais votado na eleição de 2010.
Por exemplo: Defronte da sigla GS, lê-se o nome da cidade de Casa Nova e o montante de R$ 3 milhões. Ouvida, a Codevasf confirmou a existência da emenda, o nome do autor (Geraldo Simões), o valor e o município. Em Casa Nova, Bacelar amealhou 7.599 votos. Simões, o signatário da emenda, apenas quatro.
João Bacelar é herdeiro de uma construtora, a Embratec. Suspeita-se que as verbas são direcionadas para prefeituras que, na sequência, contratam a empresa da família Bacelar para a realização das obras. Numa das conversas gravadas pela irmã Lílian, a ex-mulher Isabela Suarez explica o porquê do comércio de emendas:
“Época de campanha política, neguinho está sem dinheiro. Aí pega um deputado que esteja mais capitalizado. Como ele [Bacelar] tem construtora, aí vende as emendas para ele antecipadamente com o compromisso. Aí, ele vai lá e aporta dinheiro na campanha do cara. Aí, quando ele entrar no mandato, vai lá e paga as emendas. [...] Quem negocia emenda, todo mundo sabe. Ele deve negociar emenda com todos os deputados. Porque o cara precisa disso para poder financiar sua campanha.”
O caso de Bacelar não é original. No ano passado, os ministérios do Turismo, do Trabalho e dos Esportes revezaram-se nas manchetes em escândalos envolvendo desvios de emendas parlamentares que destinaram verbas públicas para ONGs.
Nem toda emenda de parlamentar resulta em corrupção. Mas quase toda a corrupção de Brasília carrega as emendas no DNA. Algo como 80% dos 513 deputados e dos 81 senadores resumem os seus mandatos a duas tarefas.
A primeira é atender aos interesses dos grupos políticos e econômicos que os elegeram. A segunda, preparar a caixa da próxima reeleição. Essas duas prioridades terminam por conduzir os deputados para o balcão.
Em troca de apoio congressual ao governo, exige-se a liberação das emendas e a acomodação de apadrinhados em cargos com poder para virar a chave do cofre. O primeiro grande escândalo, o caso dos “Anões do Orçamento”, é de 1993.
O país vinha do impeachment de Fernando Collor. Itamar Franco mal assumira a Presidência quando se descobriu que também o Legislativo caminhava sobre o pântano.
Deputados cobravam propinas de empreteiras e prefeituras para injetar no Orçamento da União recursos destinados a obras públicas. Criou-se uma CPI. Seis deputados tiveram os mandatos passados na lâmina. Outros quatro renunciaram. Alteraram-se as regras de elaboração do Orçamento.
Há cinco anos, em 2007, no alvorecer do segundo reinado de Lula, a “Operação Navalha” demonstrou que a mudança de normas não deteve os malfeitos. Sob supervisão do Ministério Público, a Polícia Federal gravou 585 diálogos telefônicos. Conversas vadias, que desnudaram um esquema similar ao dos anões.
A transcrição das fitas recheia um processo de 52 mil folhas. Descrevem o modo como o empreiteiro Zuleido Veras e a sua Gautama beliscavam verbas públicas. Numa ponta, compravam-se os políticos com poder para destinar verbas às obras. Noutra, subornavam-se servidores públicos responsáveis pelas liberações.
A navalha correu em quatro ministérios, seis governos de Estados nordestinos, e dezenas de prefeituras. A vítima mais vistosa foi Silas Rondeau. Acomodado por Lula na pasta de Minas e Energia a pedido de José Sarney (PMDB-AP), Rondeau foi acusado de receber propina de R$ 100 mil.
Entre os anões e a navalha, houve o caso das “Sanguessugas”. Nasceu em 2001, sob Fernando Henrique Cardoso, e explodiu em 2006, no final do primeiro reinado de Lula. Envolvia a pasta da Saúde.
Na origem do roubo, de novo, as emendas. Destinavam-se à compra de ambulâncias para prefeituras. A propina aos parlamentares era provida pela empresa Planan, que superfaturava os veículos em até 250%. Uma CPI apontou o envolvimento de 71 congressistas. Nenhum foi cassado. Mas poucos se reelegeram.
Além da origem parlamentar, os escândalos têm muito em comum: produzem operações espalhafatosas da PF, dezenas de prisões e quantidade idêntica de habeas corpus. Passado o estrondo, as cadeias se esvaziam e os escaninhos do Judiciário ficam apinhados. Não há vestígio de condenação definitiva. Grassa a impunidade. Daí a reiteração dos desvios.
POR JOSIAS DE SOUZA -UOL

Dom Sebastião voltou


Luiz Inácio Lula da Silva tem como princípio não ter princípio, tanto moral, ético ou político
Por Marco Antonio Villa
O Estado de S.Paulo
O importante, para ele, é obter algum tipo de vantagem. Construiu a sua carreira sindical e política dessa forma. E, pior, deu certo.
Claro que isso só foi possível porque o Brasil não teve - e não tem - uma cultura política democrática. Somente quem não conhece a carreira do ex-presidente pode ter ficado surpreso com suas últimas ações.
Ele é, ao longo dos últimos 40 anos, useiro e vezeiro destas formas, vamos dizer, pouco republicanas de fazer política.
Quando apareceu para a vida sindical, em 1975, ao assumir a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, desprezou todo o passado de lutas operárias do ABC.
Nos discursos e nas entrevistas, reforçou a falácia de que tudo tinha começado com ele.
Antes dele, nada havia.
E, se algo existiu, não teve importância.

Ignorou (e humilhou) a memória dos operários que corajosamente enfrentaram - só para ficar na Primeira República - os patrões e a violência arbitrária do Estado em 1905, 1906, 1917 e 1919, entre tantas greves, e que tiveram muitos dos seus líderes deportados do País.
No campo propriamente da política, a eleição, em 1947, de Armando Mazzo, comunista, prefeito de Santo André, foi irrelevante.
Isso porque teria sido Lula o primeiro dirigente autêntico dos trabalhadores e o seu partido também seria o que genuinamente representava os trabalhadores, sem nenhum predecessor. Transformou a si próprio - com o precioso auxílio de intelectuais que reforçaram a construção e divulgação das bazófias - em elemento divisor da História do Brasil.
A nossa história passaria a ser datada tendo como ponto inicial sua posse no sindicato.
1975 seria o ano 1.
Durante décadas isso foi propagado nas universidades, nos debates políticos, na imprensa, e a repetição acabou dando graus de verossimilhança às falácias
Tudo nele era perfeito.
Lula via o que nós não víamos, pensava muito à frente do que qualquer cidadão e tinha a solução para os problemas nacionais - graças não à reflexão, ao estudo exaustivo e ao exercício de cargos administrativos, mas à sua história de vida.

Num país marcado pelo sebastianismo, sempre à espera de um salvador, Lula foi a sua mais perfeita criação.
Um dos seus "apóstolos", Frei Betto, chegou a escrever, em 2002, uma pequena biografia de Lula.
No prólogo, fez uma homenagem à mãe do futuro presidente. Concluiu dizendo que - vejam a semelhança com a Ave Maria - "o Brasil merece este fruto de seu ventre: Luiz Inácio Lula da Silva".
Era um bendito fruto, era o Messias
E ele adorou desempenhar durante décadas esse papel.
Como um sebastianista, sempre desprezou a política. Se ele era o salvador, para que política?
Seus áulicos - quase todos egressos de pequenos e politicamente inexpressivos grupos de esquerda -, diversamente dele, eram politizados e aproveitaram a carona histórica para chegar ao poder, pois quem detinha os votos populares era Lula.
Tiveram de cortejá-lo, adulá-lo, elogiar suas falas desconexas, suas alianças e escolhas políticas.
Os mais altivos, para o padrão dos seus seguidores, no máximo ruminaram baixinho suas críticas.
E a vida foi seguindo.
Ele cresceu de importância não pelas suas qualidades. Não, absolutamente não. Mas pela decadência da política e do debate.
Se aplica a ele o que Euclides da Cunha escreveu sobre Floriano Peixoto: "Subiu, sem se elevar - porque se lhe operara em torno uma depressão profunda. Destacou-se à frente de um país sem avançar - porque era o Brasil quem recuava, abandonando o traçado superior das suas tradições...".
Levou para o seu governo os mesmos - e eficazes - instrumentos de propaganda usados durante um quarto de século.
Assim como no sindicalismo e na política partidária, também o seu governo seria o marco inicial de um novo momento da nossa história.
E, por incrível que possa parecer, deu certo.
Claro que desta vez contando com a preciosa ajuda da oposição, que, medrosa, sem ideias e sem disposição de luta, deixou o campo aberto para o fanfarrão.
Sabedor do seu poder, desqualificou todo o passado recente, considerado pelo salvador, claro, como impuro. Pouco ou nada fez de original. Retrabalhou o passado, negando-o somente no discurso.

Sonhou em permanecer no poder. Namorou o terceiro mandato. Mas o custo político seria alto e ele nunca foi de enfrentar uma disputa acirrada.
Buscou um caminho mais fácil.
Um terceiro mandato oculto, típica criação macunaímica. Dessa forma teria as mãos livres e longe, muito longe, da odiosa - para ele - rotina administrativa, que estaria atribuída a sua disciplinada discípula.
É um tipo de presidência dual, um "milagre" do salvador.
Assim, ele poderia dispor de todo o seu tempo para fazer política do seu jeito, sempre usando a primeira pessoa do singular, como manda a tradição sebastianista.
Coagir ministros da Suprema Corte, atacar de forma vil seus adversários, desprezar a legislação eleitoral, tudo isso, como seria dito num botequim de São Bernardo, é "troco de pinga".
Ele continua achando que tudo pode.
E vai seguir avançando e pisando na Constituição - que ele e seus companheiros do PT, é bom lembrar, votaram contra.
E o delírio sebastianista segue crescendo, alimentado pelos salamaleques do grande capital (de olho sempre nos generosos empréstimos do BNDES), pelos títulos de doutor honoris causa (?) e, agora, até por um museu a ser construído na cracolândia paulistana louvando seus feitos.
E Ele (logo teremos de nos referir a Lula dessa forma) já disse que não admite que a oposição chegue ao poder em 2014.
Falou que não vai deixar.
Como se o Brasil fosse um brinquedo nas suas mãos.
Mas não será?

MARCO ANTONIO VILLA, HISTORIADOR, É PROFESSOR DA , UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFSCAR)
DO R.DEMOCRATICA